Ética e Cidadania[1]
Introdução
A temática da ética e da moralidade humana e de construção de valores pessoais socialmente justificados não tem sido muito valorizada em nossa sociedade e até mesmo na estrutura de nossas escolas. De maneira indireta, consciente ou inconsciente, as escolas trabalham valores com seus alunos e alunas, mas isso vem sendo feito de forma desarticulada, incipiente e, de fato, com base nos valores de cada grupo ou de cada professor. Isso se torna problemático, já que os valores de um determinado grupo ou de um determinado indivíduo podem não estar de acordo com os interesses gerais da sociedade. É o caso, por exemplo, da defesa de valores discriminatórios por arte de algumas pessoas.
Este módulo do Programa Ética e Cidadania busca levar à comunidade escolar reflexões e propostas de trabalho que ajudem os membros do Fórum Escolar de Ética e de Cidadania a compreender os pressupostos da ética e da moral e a construir, dentro da comunidade escolar, o que vem sendo chamado de valores universalmente desejáveis. Ou seja, reconhece-se que existem alguns valores, como a democracia, a justiça e aqueles presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, apesar de não deverem ser impostos a toda e qualquer cultura existente no planeta, para nós, ocidentais e brasileiros, são desejáveis e devem ser universalizados no contexto social. Para isso, buscar-se-á desenvolver ações visando a atingir dois objetivos:
a) compreender os fundamentos da ética e da moralidade e como seus princípios e normas podem ser trabalhados no cotidiano das escolas e da comunidade;
b) compreender e introduzir no dia-a-dia das escolas o trabalho sistemático e intencional sobre valores desejados por nossa sociedade.
Para a consecução do primeiro objetivo serão fornecidos textos, vídeos e relatos de experiências que permitam a reflexão sobre os pressupostos da ética e suas implicações na educação. Além disso, serão apresentados caminhos pedagógicos capazes de levar a escola participante do programa a irradiar para a comunidade em que está inserida a discussão sobre a construção de uma sociedade mais justa, solidária e feliz.
Quanto ao segundo objetivo, o programa assume a existência de alguns valores desejáveis por nossa sociedade e cultura neste momento histórico e que devem ser objeto de trabalhos sistemáticos e intencionais junto à comunidade escolar.
Democracia, justiça, solidariedade, generosidade, dignidade, cidadania, igualdade de oportunidades, respeito às diferenças são alguns dos valores almejados pela sociedade brasileira que devem ser alvo de ações dos membros da comunidade escolar em busca de sua construção e disseminação. Compreender tais pressupostos e discutir formas de implementá-los nas escolas será uma das propostas deste módulo sobre ética.
Ética: importância do tema
Para iniciar o trabalho, sugerimos que todos os membros do Fórum Escolar de Ética e de Cidadania leiam o texto de apresentação do livro Temas transversais e ética dos Parâmetros Curriculares Nacionais. O texto apresenta uma boa fundamentação dos pressupostos da ética e da moral e de suas relações com a realidade educacional brasileira.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas tr a n s versais e Ética. Brasília, 1997.p. 69-73. |
O ser humano vive em sociedade, convive com outros seres humanos e, portanto, cabe-lhe pensar e responder à seguinte pergunta: “Como devo agir perante os outros?”. Trata-se de uma pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser respondida. Ora, esta é a questão central da Moral e da Ética.
Moral e ética, às vezes, são palavras empregadas como sinônimos: conjunto de princípios ou padrões de conduta. Ética pode também significar Filosofia da Moral, portanto, um pensamento reflexivo sobre os valores e as normas que regem as condutas humanas. Em outro sentido, ética pode referir-se a um conjunto de princípios e normas que um grupo estabelece para seu exercício profissional (por exemplo, os códigos de ética dos médicos, dos advogados, dos psicólogos, etc.). Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma distinção entre princípios que dão rumo ao pensar sem, de antemão, prescrever formas precisas de conduta (ética) e regras precisas e fechadas (moral). Finalmente, deve-se chamar a atenção para o fato de a palavra “moral” ter, para muitos, adquirido sentido pejorativo, associado a “moralismo”. Assim, muitos preferem associar à palavra ética os valores e regras que prezam, querendo assim marcar diferenças com os “moralistas”.
Como o objetivo deste trabalho é o de propor atividades que levem o aluno a pensar sobre sua conduta e a dos outros a partir de princípios, e não de receitas prontas, batizou-se o tema de Ética, embora freqüentemente se assuma, aqui, a sinonímia entre as palav ras ética e moral e se empregue a expressão clássica na área de educação de “educação moral”. Parte-se do pressuposto de que é preciso possuir critérios, valores, e, mais ainda, estabelecer relações e hierarquias entre esses valores para nortear as ações em sociedade. Situações dilemáticas da vida colocam claramente essa necessidade. Por exemplo, é ou não ético roubar um remédio, cujo preço é inacessível, para salvar alguém que, sem ele, morreria? Colocado de outra forma: deve-se privilegiar o valor “vida” (salvar alguém da morte) ou o valor “propriedade privada” (no sentido de não roubar)?
Seria um erro pensar que, desde sempre, os seres humanos têm as mesmas respostas para questões desse tipo. Com o passar do tempo, as sociedades mudam e também mudam os seres humanos que as compõem. Na Grécia antiga, por exemplo, a existência de escravos era perfeitamente legítima: as pessoas não eram consideradas iguais entre si, e o fato de umas não terem liberdade era considerado normal. Outro exemplo: até pouco tempo atrás, as mulheres eram consideradas seres inferiores aos seres humanos, e, portanto, não merecedoras de direitos iguais (deviam obedecer a seus maridos). Outro exemplo ainda: na Idade Média, a tortura era considerada prática legítima, seja para a extorsão de confissões, seja como castigo. Hoje, tal prática indigna a maioria das pessoas e é considerada imoral. Portanto, a moralidade humana deve ser enfocada no contexto histórico e social. Por conseqüência, um currículo escolar sobre a ética pede uma reflexão sobre a sociedade contemporânea na qual está inserida a escola; no caso, o Brasil do século XX. Tal reflexão poderia ser feita de maneira antropológica e sociológica: conhecer a diversidade de valores presentes na sociedade brasileira. No entanto, por se tratar de uma referência curricular nacional que objetiva o exercício da cidadania, é impera t iva a remissão à referência nacional brasileira: a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. Nela, encontram-se elementos que identificam questões morais.
Por exemplo, o art. 1° traz, entre outros, como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. A idéia segundo a qual todo ser humano, sem distinção, merece tratamento digno corresponde a um valor moral. Segundo esse valor, a pergunta de como agir perante os outros recebe uma resposta precisa: agir sempre de modo a respeitar a dignidade, sem humilhações ou discriminações em relação a sexo ou etnia. O pluralismo político, embora refira-se a um nível específico(a política), também pressupõe um valor moral: os seres humanos têm direito de ter suas opiniões, de expressá-las, de organizar-se em torno delas. Não se deve, portanto, obrigá-los a silenciar ou a esconder seus pontos de vista; vale dizer, são livres. E, naturalmente, esses dois fundamentos (e os outros) devem ser pensados em conjunto. No art. 5°, vê-se que é um princípio constitucional o repúdio ao racismo, repúdio esse coerente com o valor dignidade humana, que limita ações e discursos, que limita a liberdade às suas expressões e, justamente, garante a referida dignidade.
Devem ser abordados outros trechos da Constituição que remetem a questões morais. No art. 3°, lê-se que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (entre outros): I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Não é difícil identificar valores morais em tais objetivos, que falam em justiça, igualdade, solidariedade, e sua coerência com os outros fundamentos apontados. No título 11, art. 5°, mais itens esclarecem as bases morais escolhidas pela sociedade brasileira: I) seres humanos e mulheres são iguais em direitos e obrigações; (...) III) ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) VI) é inviolável a liberdade de consciência e de crença (...); X) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...)
Tais valores representam ótima base para a escolha de conteúdos do tema Ética. Porém, aqui, três pontos devem ser devidamente enfatizados.
O primeiro refere-se ao que se poderia chamar de “núcleo” moral de uma sociedade, ou seja, valores eleitos como necessários ao convívio entre os membros dessa sociedade. A partir deles, nega-se qualquer perspectiva de “relativismo moral”, entendido como “cada um é livre para eleger todos os valores que quer”. Por exemplo, na sociedade brasileira não é permitido agir de forma preconceituosa, presumindo a inferioridade de alguns (em razão de etnia, raça, sexo ou cor), sustentar e promover a desigualdade, humilhar, etc. Trata-se de um consenso mínimo, de um conjunto central de valores, indispensável à sociedade democrática: sem esse conjunto central, cai-se na anomia, entendida seja como ausência de regras, seja como total relativização delas (cada um tem as suas, e faz o que bem entender); ou seja, sem ele, destrói-se a democracia, ou, no caso do Brasil, impede-se a construção e o fortalecimento do país.
O segundo ponto diz respeito justamente ao caráter democrático da sociedade brasileira. A democracia é um regime político e também um modo de sociabilidade que permite a expressão das diferenças, a expressão de conflitos, em uma palavra, a pluralidade. Portanto, para além do que se chama de conjunto central de valores, deve valer a liberdade, a tolerância, a sabedoria de conviver com o diferente, com a diversidade (seja do ponto de vista de valores, como de costumes, crenças religiosas, expressões artísticas, etc.). Ta l valorização da liberdade não está em contradição com a presença de um conjunto central de valores. Pelo contrário, o conjunto garante, justamente, a possibilidade da liberdade humana, coloca-lhe fronteiras precisas para que todos possam usufruir dela, para que todos possam preservá-la.
O terceiro ponto refere-se ao caráter abstrato dos valores abordados. Ética trata de princípios e não de mandamentos. Supõe que o ser humano deva ser justo. Porém, como ser justo? Ou como agir de forma a garantir o bem de todos? Não há resposta predefinida. É preciso, portanto, ter claro que não existem normas acabadas, regras definitivamente consagradas. A ética é um eterno pensar, refletir, construir. E a escola deve educar seus alunos para que possam tomar parte nessa construção, ser livres e autônomos para pensarem e julgarem.
Mas será que cabe à escola empenhar-se nessa formação? Na história educacional brasileira, a resposta foi, em várias épocas, positiva. Em 1826, o primeiro projeto de ensino público apresentado à Câmara dos Deputados previa que o aluno deveria ter “conhecimentos morais, cívicos e econômicos”. Não se tratava de conteúdos, pois não havia ainda um currículo nacional com elenco de matérias. Quando tal elenco foi criado (em 1909), a educação moral não apareceu como conteúdo, mas havia essa preocupação quando se tratou das finalidades do ensino. Em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário falava em “formação da personalidade integral do adolescente” e em acentuação e elevação da “formação espiritual, consciência patriótica e consciência humanista” do aluno. Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional colocava entre suas normas a “formação moral e cívica do aluno”. Em 1971, pela Lei n. 5.692/71, institui-se a Educação Moral e Cívica como área da educação escolar no Brasil.
Porém, o fato de, historicamente, verificar-se a presença da preocupação com a formação moral do aluno ainda não é argumento bastante forte. De fato, alguns poderão pensar que a escola, por várias razões, nunca será capaz de dar uma formação moral aceitável e, portanto, deve abster-se dessa empreitada. Outros poderão responder que o objetivo da escola é o de ensinar conhecimentos acumulados pela humanidade e não preocupar-se com uma formação mais ampla de seus alunos. Outros ainda, apesar de simpáticos à idéia de uma educação moral, poderão permanecer desconfiados ao lembrar a malfadada tentativa de se implantar aulas de Moral e Cívica no currículo.
Mesmo reconhecendo tratar-se de uma questão polêmica, a resposta dada por estes Parâmetros Curriculares Nacionais é afirmativa: cabe à escola empenhar- se na formação moral de seus alunos. Por isso, apresenta-se uma proposta diametralmente diferente das antigas aulas de Moral e Cívica e explica-se o porquê.
As pessoas não nascem boas ou ruins; é a sociedade, quer queira, quer não, que educa moralmente seus membros, embora a família, os meios de comunicação e o convívio com outras pessoas tenham influência marcante no comportamento da criança. E, naturalmente, a escola também tem. É preciso deixar claro que ela não deve ser considerada onipotente, única instituição social capaz de educar moralmente as novas gerações. Também não se pode pensar que a escola garanta total sucesso em seu trabalho de formação. Na verdade, seu poder é limitado. Todavia, tal diagnóstico não justifica uma deserção. Mesmo com limitações, a escola participa da formação moral de seus alunos. Valores e regras são transmitidos pelo professores, pelos livros didáticos, pela organização institucional, pelas formas de avaliação, pelos comportamentos dos próprios alunos, e assim por diante. Então, ao invés de deixá-las ocultas, é melhor que tais questões recebam tratamento explícito. Isso significa que essas questões devem ser objeto de reflexão da escola como um todo, ao invés de cada professor tomar isoladamente suas decisões. Daí a proposta de que se inclua o tema Ética nas preocupações oficiais da educação. Acrescente-se ainda que, se os valores morais que subjazem aos ideais da Constituição brasileira não forem intimamente legitimados[2] pelos indivíduos que compõem este país, o próprio exercício da cidadania será seriamente prejudicado, para não dizer, impossível. É tarefa de toda a sociedade fazer com que esses valores vivam e se desenvolvam. E, decorrentemente, é também tarefa da escola.
Para saber como educar moralmente é preciso, num primeiro momento, saber o que a Ciência Psicológica tem a dizer sobre os processos de legitimação, por parte do indivíduo, de valores e regras morais.
Sugestões de Estratégias de Trabalho
Este primeiro texto tem como objetivo introduzir os membros do Fórum Escolar de Ética e de Cidadania nas discussões sobre ética, moral, valores e o papel da escola nos processos de formação de alunos e alunas. Assim, a intenção da primeira atividade proposta é levar docentes, funcionários, pais, estudantes e membros da comunidade a compreender o que é ética e a refletir sobre sua importância no cotidiano escolar.
O trabalho inicial pode ocorrer de várias formas, de acordo com a realidade de cada grupo ou com o número de pessoas que dele participem. Sugerimos, no entanto, que as reuniões ocorram sempre com as cadeiras dispostas em círculo, para que todos possam estar de frente uns para os outros. Essa disposição espacial facilita o diálogo e a discussão entre as pessoas presentes.
Ø Sugerimos que, antes da reunião, os membros do fórum leiam o texto "Ética: importância do tema" e reflitam sobre ele. Essa leitura também poderá ser feita coletivamente durante o encontro. Após a leitura do texto, as seguintes temáticas podem motivar a discussão coletiva:
- Relações e diferenças entre ética e moral.
- Que valores e princípios éticos estão explicitados no texto como necessários para o convívio social e capazes de embasar futuras propostas de trabalho junto à comunidade escolar e à sociedade?
- Como o texto sugere o trabalho de educação moral?
- Qual o papel da escola no processo de educação moral?
A discussão desses temas pode ajudar os participantes da reunião a compreender o papel e a importância do fórum e a definir alguns princípios e valores que poderão nortear o trabalho futuro.
Ø Como próxima atividade, o grupo pode listar e registrar na lousa ou em cartolina princípios e valores que a escola considera importantes para serem abordados no dia-a-dia das salas de aula, valores e princípios como vida digna, democracia, liberdade, justiça, respeito mútuo, etc. podem ser alvo de ações futuras de construção de valores. Tal lista serve apenas de referência inicial para o grupo, devendo ser enriquecida constantemente no futuro, durante as reuniões.
Ø Uma vez elaborada a lista de valores e princípios, cada um dos membros do fórum deverá refletir sobre esses conteúdos e pensar, para um próximo encontro, em estratégias e propostas de atividades que permitam desenvolvê-los junto à comunidade educacional.
Ética e desenvolvimento moral
O que é ética? A escola pode propiciar condições para o desenvolvimento moral de crianças e adolescentes? De que maneira? Qual o papel das regras no desenvolvimento da ética? Essas são algumas das questões que perpassam o vídeo Ética, que poderá ser gravado da TV Escola e exibido em reunião do Fórum Escolar de Ética e de Cidadania.
Dignidade, justiça, respeito mútuo, solidariedade, igualdade e diálogo, além de regras de convívio democrático e uma crítica às formas autoritárias de transmissão de valores, são temas abordados no vídeo, que, de certa forma, retoma as discussões do texto anterior, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas aproxima-se do cotidiano escolar ao trazer imagens e depoimentos que ajudam a compreender como alguns valores e princípios importantes sobre essa temática podem ser trabalhados na escola.
A reunião do fórum pode se iniciar com a apresentação de um vídeo, conforme programação da TV Escola.
PCN/Temas transversais – Ética. Direção: Cleston T. Teixeira e Cristina Wi n t h e r. Realização: TV Escola. Brasília, MEC, 1997./videocassete (14’58”): VHS, son., color. Port. |
Sugestões de Estratégias de Trabalho
O vídeo pode ser trabalhado em dois momentos:
a) na reunião do fórum;
b) nas salas de aula.
Na reunião do fórum:
Sugerimos anteriormente que, após a discussão do texto "Ética: importância do tema", o grupo elaborasse uma lista de princípios e valores que pudessem servir de referência para ações futuras. Além disso, que cada membro pensasse em estratégias e propostas para sua implementação na escola.
Após a exibição do vídeo, é hora de retomar a discussão. Em um primeiro momento, deve-se analisar e discutir as idéias apresentadas no vídeo. Na seqüência, pode-se buscar relações entre a lista de princípios e valores discutidos anteriormente e aqueles apresentados no vídeo. Por fim, promover uma discussão sobre as estratégias e propostas que foram pensadas, analisando as à luz das propostas apresentadas no vídeo.
O objetivo principal dessa reunião é pensar em estratégias que permitam aos educadores desenvolver atividades na escola e levar as reflexões do grupo para as salas de aula.
Uma maneira de fazer isso é definir coletivamente uma ou várias estratégias, que de verão ser postas em prática durante as próximas semanas, a partir de um ou mais dos princípios escolhidos pelo grupo como prioritários. Assim, se o princípio escolhido foi o "respeito mútuo", os membros do fórum definirão alguma(s) estratégia(s) pedagógica(s) que os docentes deverão desenvolver em suas aulas. É importante salientar que tais estratégias devem estar vinculadas à idéia do protagonismo dos estudantes e não ter caráter tra n s m i s s ivo ou de doutrinação.
Nas salas de aula:
Para que o trabalho com ética leve os membros da comunidade escolar à construção de valores socialmente desejáveis, os professores envolvidos no programa (mesmo que não participem das reuniões do fórum) deverão desenvo l ver as atividades propostas na reunião do fórum. Assim , se o princípio escolhido para trabalho naquela quinzena foi, por exemplo, o "respeito mútuo", deverão aplicar as estratégias elaboradas pelo grupo em suas salas de aula, adaptando-as à realidade de cada grupo.
Com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor ou da leitora deste material, apresentamos, a seguir, um exemplo de estratégia que poderia ter sido elabora da na reunião do fórum.
Para trabalhar o "respeito mútuo" em sala de aula, o professor pode utilizar estratégias de dramatização, por ser uma técnica que permite ao sujeito colocar-se no lugar de outros personagens em uma situação de conflito, trazendo para sua vivência pessoal os sentimentos e problemas das outras pessoas.
O docente deve elaborar um pequeno texto que apresente um conflito entre relações autoritárias e de respeito. No texto, caracteriza-se também os personagens envolvidos na situação. A sugestão é que peça a ajuda de 5 ou 6 voluntários, que terão de 10 a 15 minutos para preparar a dramatização, de improviso.
Eis um exemplo de texto:
Na hora do recreio, ao montar os times de futebol, Eduardo humilhou Pedro dizendo que ele era perna-de-pau e não deveria participar do jogo. Pedro, inicialmente, ficou meio sem reação, mas depois tentou conversar, enquanto Eduardo seguiu com sua postura inicial. Além de Pedro e Eduardo, estão presentes os seguintes personagens: 1 – Menina que está assistindo a tudo e defende a postura de Eduardo; 2 – Menino que defende o direito de todos jogarem; 3 – Professora que chega no meio da discussão para mediar o conflito. A dramatização deve durar cerca de 15 minutos. Como parte da técnica, após alguns minutos de dramatização e quando as posições de cada personagem já estiverem claras para a turma, o(a) professor(a) pode promover, de surpresa, a troca de papéis, fazendo que o aluno que estava representando o papel do Eduardo passe a fazer o de Pedro, que a menina assuma o papel mediador da professora e assim por diante. Também pode promover a substituição dos atores , escolhendo alguns alunos ou alunas que estejam assistindo à dramatização para que assumam os papéis da peça. Essa é uma maneira de permitir que mais estudantes participem da dramatização, ao mesmo tempo em que obriga os que estão de fora da cena a prestar mais atenção na peça, porque podem ser solicitados a participar a qualquer momento. Quando os argumentos começarem a se repetir, ou em função do tempo, o(a) professor(a) deve encerrar a dramatização e, colocando a turma em um círculo, promover um debate com todos os alunos e alunas sobre o tema do respeito, analisando as cenas vistas e como se sentiram as pessoas e os personagens envolvidos. Como atividade de encerramento, pede-se aos estudantes que elaborem uma pequena dissertação sobre as diferenças entre relações autoritárias e relações de respeito mútuo. |
Atividades como essa, se praticadas sistematicamente, podem propiciar momentos de reflexão que auxiliem na construção de princípios e valores por parte dos membros da comunidade escolar, inclusive professores.
Note-se que, na proposta apresentada, os referenciais sobre como devem ser relações de respeito mútuo estão em aberto e as características do conceito a ser trabalhado serão elaboradas pelos próprios estudantes, com mediação docente e não estão dados de antemão. É nesse sentido que se trabalha o protagonismo estudantil na construção de valores e de relações mais democráticas.
O fórum pode escolher outros princípios e valores para serem desenvolvidos na escola ao mesmo tempo, dependendo da disponibilidade do grupo.
Ética Democracia, cidadania e educação
Dentre os elementos básicos que sustentam a educação em valores estão o princípio da democracia e da cidadania. Compreender suas relações com a ética e com a educação é essencial na luta pela construção de uma sociedade mais justa.
Como vimos anteriormente, a democracia pertence ao núcleo moral central da sociedade, pelos pressupostos de justiça, de igualdade e de eqüidade que sustentam essa forma de regime político e de regulação das relações sociais. A cidadania passa não apenas pela conquista de igualdade de direitos e deveres a todos os seres humanos, mas também pela conquista de uma vida digna, em sua mais ampla concepção, para todos os cidadãos e cidadãs habitantes do planeta. Esses são princípios éticos fundamentais que estão na base da sociedade contemporânea e por isso é importante estudar seus pressupostos, com o intuito explícito de que sejam adotados e consolidados nas instituições escolares.
O texto que será apresentado a seguir propiciará dados para a reflexão dos membros do Fórum Escolar de Ética e de Cidadania sobre algumas características da democracia e da cidadania. As propostas de atividades que serão apresentadas na seqüência buscarão ajudar as comunidades envolvidas neste programa a implementá-los em seu dia-a-dia.
ARAÚJO, Ulisses F. A construção de escolas democráticas: histórias sobr e complexidade, mudanças e resistências. São Paulo: Moderna, 2002. p. 32-40. |
Democracia, cidadania e educação
Sempre me intrigou o emprego bastante difundido da palavra democracia no âmbito educacional. Se a origem e uso do termo refere-se tradicionalmente a "forma de governo" ou a "governo da maioria", será que uma escola democrática é aquela cuja forma de organização está pautada no princípio de que deve ser governada pelos interesses da maioria, que são os alunos e as alunas? A história demonstra os problemas que propostas dessa natureza, de autogoverno, acarretam para a organização e para o funcionamento de instituições escolares, e para atingir as finalidades educativas das escolas.
Em um primeiro momento de seu livro Democracia e participação escolar (2000), Puig nos lembra que, embora útil para definir um modelo desejável de relações políticas na sociedade, o termo democracia não é necessariamente adequado para caracterizar instituições como a família, a escola e os hospitais. Isto porque tais instituições sociais são constituídas por agentes que possuem interesses e status diferentes. De acordo com ele,
essas instituições foram pensadas para satisfazer algumas necessidades humanas que, de maneira inevitável, implicam a ação de sujeitos com capacidades, papéis e responsabilidades muito diferentes. São alheios à idéia de participação igualitária. Os pais e as mães têm um papel assimétrico com respeito aos filhos e às filhas, da mesma maneira que os professores e as professoras o têm com respeito aos seus alunos e às suas alunas, ou os médicos e as médicas com respeito aos seus pacientes e às suas pacientes. É nesse sentido que dissemos que para essas instituições não serve o qualificativo de democráticas, pois não são horizontais nem igualitárias (p. 25).
Isso não significa, de fato, que para Puig as instituições escolares não possam ser vistas como democráticas. Nesse mesmo livro, mais adiante, o autor demonstra que pode haver escolas democráticas, desde que se consiga um equilíbrio no jogo entre a assimetria funcional das relações e a simetria democrática dos princípios que devem reger as instituições sociais.
Na perspectiva de simetria, os direitos de igualdade e liberdade, por exemplo, devem ser extensivos a todas as pessoas nas instituições democráticas e nas escolas. Já a idéia de assimetria natural dos papéis de estudantes e docentes nas relações escolares, assim como nas relações familiares e no âmbito médico, calcada na diferenciação de conhecimentos e experiência, aponta problemas na compreensão de como a democracia se apresenta em tais instituições. Precisamos ter clareza de tais concepções e cuidado em sua interpretação, pois dependendo da forma com que é concebida abrem-se possibilidades para justificar o autoritarismo e o absolutismo.
A pergunta é: será que esse paradoxo de assimetria e simetria nas relações sociais pode servir de justificativa para o estabelecimento de relações autoritárias no âmbito das instituições sociais citadas? Essa parece ser urna boa justificativa para a forma tradicional com que pais e mães, professores e professoras, médicos e médicas se relacionam com as pessoas que lhes são subordinadas. Será que o autoritarismo que permeia, em geral, as relações nessas instituições se justifica em sociedades que almejam a democracia? É melhor termos cuidado com tais conclusões, que podem ser nefastas para a real democratização da sociedade.
Começo a discussão lembrando outro princípio inerente ao conceito de justiça e, conseqüentemente, de democracia: a eqüidade, que reconhece o princípio da diferença dentro da igualdade. Assim, urna lei é justa somente se reconhece que todos são considerados iguais perante ela, ao mesmo tempo que considera as possíveis diferenças relacionadas a seu cumprimento ou a sua violação. Um exemplo clássico é uma lei que define que não se devem matar outras pessoas e estabelece que toda pessoa (igualdade) que violar tal lei, seja rico, pobre, branco, negro, empresário ou trabalhador, será julgada por essa ação. Ao mesmo tempo, porém, essa lei deverá considerar a motivação e a intencionalidade da ação cometida para ser verdadeiramente justa. Uma pessoa que mata outra por puro sadismo não pode ser julgada pela sociedade da mesma maneira que quem mata em legítima defesa (eqüidade).
Se pensamos a democracia somente a partir do ideal de igualdade, acabamos por destruir a liberdade. Se todos forem concebidos como iguais, onde ficará o direito democrático da diferença, a possibilidade de pensar de maneira diferente e de ser diferente? Por isso, hoje se compreende que os regimes que tentaram buscar os ideais da democracia a partir da igualdade pura, como o comunismo, terminaram por se constituir em sistemas políticos absolutistas e autoritários. Para que o modelo de democracia seja justo e almeje a liberdade individual e coletiva, é necessário que a igualdade e a eqüidade sejam compreendidas como complementares. Ao mesmo tempo que a igualdade de direitos e deveres deve ser objetivada nas instituições sociais, não se devem perder de vista o direito e o respeito à diversidade, ao pensamento divergente.
Voltando à escola, essa concepção de que a democracia e a justiça pressupõem a igualdade e a eqüidade ajuda-nos a compreender como a democracia pode ser concebida no âmbito educacional. Ou seja, parte-se, em primeiro lugar, da assimetria dos papéis de estudantes e docentes, entendendo sua diferenciação natural a partir do princípio da eqüidade. Isso, porém, não desconsidera o fato de que em alguns aspectos os dois grupos são iguais perante a sociedade, tendo os mesmos direitos e deveres de todos os seres humanos. Essa é uma relação complexa que solicita um raciocínio dialético para sua compreensão.
Aos professores e às professoras são destinados papéis diferenciados dentro da instituição escolar, devido a seus conhecimentos e sua experiência. A sociedade lhes atribui responsabilidades e deveres que lhes permitem avaliar alunos e alunas e utilizar da autoridade da função para exigir o cumprimento das regras e normas sociais. Por outro lado, tais poderes não lhes garantem o direito de agir de maneira injusta, desconsiderando, por exemplo, os direitos relativos à cidadania de seus alunos e alunas.
Nesse sentido, se queremos falar de democracia na escola devemos, ao mesmo tempo, reconhecer a diferença nos papéis sociais e nos deveres e buscar os aspectos em que todos os membros da comunidade escolar têm os mesmos direitos. Estou falando, por exemplo, do direito ao diálogo, à livre expressão de sentimentos e idéias, ao tratamento respeitoso, à dignidade, etc., tanto nas escolas como nos hospitais e nas famílias. Estou me referindo, afinal, à igualdade de direitos que configura a cidadania.
Cidadania e educação
Entramos no tema da cidadania, outra palavra que pode ser empregada em muitos sentidos. Desde sua origem na Roma antiga, a idéia de cidadania está vinculada ao princípio de que os habitantes têm o direito de participar da vida política da sociedade. O termo vem da palavra latina civis, que significa "habitante", e civitatis, que dava a condição de cidadão aos habitantes. Ou seja, dava-lhes o direito de participar ativamente na vida e no governo do povo.
Novamente, como no modelo grego de democracia, a cidadania na Roma antiga não era atribuída a todos os habitantes. Em primeiro lugar, estrangeiros e escravos não eram cidadãos, denominação garantida somente aos romanos livres. Em segundo lugar, mesmo entre os romanos livres havia uma distinção entre a cidadania e a cidadania ativa. Enquanto a primeira era uma denominação dada à maioria dos romanos, incluídas nesse grupo todas as mulheres, a segunda, que dava o direito efetivo de participar das atividades políticas e da administra ç ã o pública, era destinada a um pequeno grupo de romanos (homens) livres .
Foi também a partir dos ideais que sustentaram a Revolução Francesa que o direito de exercer a cidadania passou a ser almejado para todas as pessoas e não somente a um pequeno grupo de habitantes. Seu pressuposto era de que somente se toda a população participasse das decisões políticas e da elaboração das leis se poderia constituir uma sociedade justa. Desde então, paralelamente à democratização das sociedades contemporâneas ocidentais, todos os segmentos da população vêm lentamente conquistando o direito de participar democraticamente de sua vida política. As mulheres e os mais pobres, não possuidores de patrimônio material consistente, por exemplo, foram tendo seus direitos de cidadãos e cidadãs reconhecidos em tais sociedades.
Em seu sentido tradicional, portanto, a cidadania expressa um conjunto de direitos e de deveres que permite aos cidadãos e cidadãs participar da vida política e da vida pública, podendo votar e ser votados, participar ativamente na elaboração das leis e exercer funções públicas, por exemplo.
Partindo dessas idéias, podemos fazer: um questionamento importante para a compreensão atual dos significados possíveis para cidadania. Será que a garantia de participação ativa na vida política e pública é suficiente para garantir a todas as pessoas o atendimento de suas necessidades básicas?
Não acredito que a cidadania pressuponha apenas o atendimento das necessidades políticas e sociais, com o objetivo de garantir os recursos materiais que dêem uma vida digna às pessoas. Do meu ponto de vista é necessário que cada ser humano, para poder efetivamente participar da vida pública e política, se desenvolva em alguns aspectos que lhe dêem as condições físicas, psíquicas, cognitivas, ideológicas e culturais necessárias para uma vida saudável, uma vida que o leve à busca virtuosa da felicidade, individual e coletiva. Entender a cidadania a partir da redução do ser humano a suas relações sociais e políticas não é coerente com a multidimensionalidade que nos caracteriza e com a complexidade das relações que estabelecemos com o mundo à nossa volta e com nós mesmos.
Assim, a luta pela cidadania passa não apenas pela conquista de igualdade de direitos e de deveres a todos os seres humanos, mas também pela conquista de uma vida digna, em sua mais ampla concepção, para todos os cidadãos e cidadãs, habitantes do planeta.
Tal tarefa, complexa por natureza, pressupõe a educação de todos, crianças, jovens e adultos, a partir de princípios coerentes com esses objetivos, com a intenção evidente de promover a cidadania pautada na democracia, na justiça, na igualdade, na eqüidade e na participação ativa de todos os membros da sociedade.
Chegamos, dessa maneira, ao tema da educação para a cidadania, elemento essencial para a democracia. Para introduzir o assunto, gostaria de citar algumas idéias de Machado (1997), para quem
educar para a cidadania significa prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização desta participação motivada e competente, desta simbiose entre interesses pessoais e sociais, desta disposição para sentir em si as dores do mundo. (p. l06)
Estamos falando, portanto, da formação e da instrução das pessoas para sua capacitação à participação motivada e competente na vida política e pública da sociedade. Ao mesmo tempo, entendo que essa formação deva visar ao desenvolvimento de competências para lidar com a diversidade e o conflito de idéias, com as influências da cultura e com os sentimentos e emoções presentes nas relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Além disso, deve garanti a possibilidade e a capacidade de indignação com as injustiças cotidianas.
Nesse sentido, a educação para a cidadania e para a vida em uma sociedade democrática não pode se limitar ao conhecimento das leis e regras, ou a formar pessoas que aprendam a participar da vida coletiva de forma consciente. É necessário algo mais, que é o trabalho para a construção de personalidades morais, de cidadãos e cidadãs autônomos que buscam de maneira consciente e virtuosa a felicidade e o bem pessoal e coletivo. Conforme apontamos em outra ocasião (Araújo, 1999a), esse é um modelo de personalidade moral que incorpora em seu núcleo central
a racionalidade autônoma baseada na igualdade, na eqüidade, na justiça, no auto-respeito e no respeito pela natureza (em seu sentido global). Mas neste modelo a razão não é soberana, porque é também imbuída de afetividade, de sentimentos e emoções, que considera em seus juízos, ao mesmo tempo, os interesses do próprio sujeito e dos outros seres presentes em suas interações. (p. 67)
Trabalhar na formação desse cidadão e dessa cidadã pressupõe considerar as diferentes dimensões constituintes da natureza humana: a sociocultural, a afetiva, a cognitiva e a biofisiológica[3], e atuar intencionalmente sobre elas.
Atuar sobre a dimensão sociocultural pressupõe propiciar uma educação que leve as pessoas a conhecer criticamente os dados e fatos sobre a cultura e a realidade social em que estão inseridas, assim como ao domínio dos conteúdos essenciais ao exercício da cidadania, principalmente a língua e as matemáticas. Atuar sobre a dimensão afetiva pressupõe oferecer condições para que as pessoas conheçam a si mesmas, seus próprios sentimentos e emoções, que construam o auto-respeito e valores considerados socialmente desejáveis. No caso da dimensão cognitiva, partimos do princípio de que a construção de determinadas capacidades intelectuais ou de formas mais complexas de organizar o pensamento é importante para a compreensão da realidade e para a organização das relações das pessoas com o mundo. Por fim, temos a dimensão biofisiológica, que é nosso próprio corpo, sede de nossa personalidade. Garantir seu desenvolvimento adequado, respeitando as diferenças e características individuais, é essencial para o enriquecimento de nossas experiências e para a interação com o mundo a nossa volta.
Sugestões de Estratégias de Trabalho
Uma vez mais, esse trabalho pode ser realizado em dois momentos distintos, mas inter-relacionados: a) no âmbito das reuniões do Fórum Escolar de Ética e de Cidadania; b) nas atividades práticas que envolvam a escola e a ação de docentes e discentes, agora, porém, visando a atingir a comunidade.
Na reunião do fórum:
O texto "Democracia, cidadania e educação" deve ser lido por todos os membros participantes do fórum, antes ou durante a reunião. Esse texto será objeto de reflexão por parte do grupo, que poderá enfocar os conceitos de democracia na escola e do papel da escola na construção da cidadania.
Uma das idéias possíveis de serem abordadas, referindo-se às discussões anteriores, é o papel desses dois princípios como valores universalmente desejáveis. Mas as reflexões podem focar idéias específicas, como a importância de entender a assimetria natural presente nas relações entre os atores de algumas instituições sociais, como os hospitais, a família e a escola. Isso pode ser importante, já que a construção de relações democráticas dentro das escolas e das famílias deve levar em conta as diferenças de responsabilidade social existentes entre docentes e discentes e entre pais, mães, filhos e filhas na elaboração e cumprimento de regras sociais. Enfim, discutir a democracia escolar é um bom tema neste momento.
O segundo enfoque sugerido pelo texto é o papel da cidadania e da educação no desenvolvimento de cidadãos e cidadãs competentes “para lidar com a diversidade e o conflito de idéias, com as influências da cultura e com os sentimentos e emoções presentes nas relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo à sua volta”.
As reuniões do fórum devem discutir propostas concretas para o trabalho junto à comunidade escolar e não-escolar. Nesse sentido, com base na leitura e discussão do texto, deve-se reservar o período final da reunião para elaborar propostas e estratégias que promovam o trabalho com os princípios da democracia e da cidadania nas salas de aula ou na escola em geral.
Assim, apresentaremos em seguida uma proposta de projeto, com a intenção de demonstrar como a comunidade pode trabalhar de forma prática a construção de valores democráticos e de cidadania, envolvendo a ação coletiva de docentes e discentes e, também, levando a discussão para a comunidade em que a escola está inserida.
O primeiro passo do projeto a ser desenvolvido, que deve envolver o maior número possível de turmas, é discutir as condições físicas, psíquicas , cognitivas, ideológicas e culturais que o texto considera essenciais para o exercício pleno da cidadania. O objeto de estudo pode ser a educação como condição básica para a cidadania. Dessa forma, cada turma ou série pode escolher aprofundar-se no estudo de uma dessas condições. Por exemplo,a 8ª série estudaria as barreiras ideológicas que impedem muitas pessoas de freqüentarem a escola; a 4a série estudaria as barreiras físicas, envolvendo os portadores de deficiências físicas; a 6a série poderia estudar as barreiras psíquicas (como a indisciplina) que impedem muitas crianças e adolescentes de permanecer na escola; etc. Após uma aula, ou várias aulas, em que essas barreiras seriam estudadas e compreendidas, cada turma seria dividida em grupos de 4 a 5 componentes. O papel de todos os grupos envolvidos no projeto seria fazer uma espécie de censo em todos os bairros atendidos por aquela escola. Nesse trabalho coletivo, procurar-se-ia visitar a maioria das residências dos bairros estudados, com o objetivo de mapear a situação escolar de seus moradores. Na visita a cada residência, buscar-se-iam informações sobre os moradores, sua situação educacional, quem estuda ou parou de estudar e quando e as causas da desistência do estudo. Assim,poderiam ser obtidos os dados escolares tanto da população adulta quanto das crianças e adolescentes. Depois de realizadas as entrevistas, cada grupo apresentaria aos colegas uma síntese dos resultados encontrados. Os dados seriam comunicados a todas as turmas participantes do projeto , para que cada uma selecionasse as informações que lhe interessasse. A análise dos dados poderia gerar os mais diferentes trabalhos, abrangendo várias disciplinas e professores, de forma a envolver toda a comunidade escolar. Para finalizar o projeto, a escola poderia realizar um seminário em que os resultados das diversas pesquisas seriam apresentados. Para esse evento, poderiam ser convidados membros da Secretaria de Educação, da comunidade local, as famílias entrevista d a s ,políticos , profissionais da educação, que ajudariam a discutir os resultados, etc. Desse seminário poderiam sair propostas de atuação política para garantir melhores condições de acesso e permanência das pessoas nas escolas. |
Na proposta apresentada, os objetivos são bem complexos e precisam ser adaptados a cada realidade escolar. Uma escola menor ou uma escola em que poucos professores estão envolvidos com o fórum, os objetivos podem ser menos ambiciosos: estudar apenas a realidade dos portadores das várias formas de deficiência física e sua escolarização, por exemplo. Se a escola é de primeira etapa do ensino fundamental, os objetivos podem ser ainda mais limitados e envolver a pesquisa apenas das famílias dos alunos e de seus vizinhos.
O que é importante na proposta é que ela procura incorporar o protagonismo dos estudantes na busca de informações sobre a realidade em que vivem, ao mesmo tempo em que leva à reflexão sobre princípios de democracia e de cidadania. A formação tanto dos estudantes quanto dos docentes ocorre na prática e não apenas baseada em estudos teóricos e meramente reflexivos.
O papel do Fórum Escolar de Ética e de Cidadania é articular e coordenar o projeto, garantindo a participação de todos os segmentos da comunidade em sua execução e as condições materiais e políticas para sua realização. Por fim, com esse tipo de projeto a escola se aproxima da comunidade e pode fortalecer o próprio fórum para ações futuras.
[1] [1] Adaptação do Módulo I Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade do Programa de Formação de Desenvolvimento Profissional Continuada promovido Secretaria Especial de Direitos Humanos e elaborado por Lucia Helena Lodi.
[2]Entende-se por legitimados: conhecidos, plenamente aceitos e considerados válidos e necessários.
[3] Para mais pormenores sobre tais dimensões, ver ARAÚJO, U. Conto de escola: a vergonha como regulador moral. São Paulo: Moderna; Campinas: e Ed. Unicamp, 1999. p. 67.
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